Por Ana Carolina Nunes, publicada em “A Vida no Centro” em 1º de outubro de 2020*
A corrida eleitoral começou – um período em que candidatas e candidatos disputam nossas mentes e corações para nos convencer que têm mais competência para assumir a Prefeitura de São Paulo. É também quando sentimos que precisamos refletir que estratégias queremos apoiar para enfrentar os principais problemas vividos na cidade. A mobilidade urbana concentra vários desses problemas, no entanto, não tem merecido a atenção devida das candidaturas. Ao contrário, as propostas apresentadas para o tema, quando não são descoladas da realidade, concentram-se em “resolver os problemas” apenas de quem se desloca de carro.
Nem todo mundo sabe, mas a maioria da população da cidade de São Paulo não usa carros ou motos. Segundo os dados de 2018 da pesquisa Origem-Destino, produzida pelo Metrô, 36,4% da população se desloca principalmente de transporte público, 31,8% se desloca do início ao fim a pé e 0,9%, de bicicleta. Isso significa que mais de dois terços das pessoas já usam os meios mais limpos e saudáveis de deslocamento.
Como a mobilidade urbana é um reflexo das desigualdades, seria um erro dizer que essa maioria se desloca a pé, de bicicleta ou de transporte público só porque quer. Até porque as condições para usar esses meios de transporte (coletivos e ativos) não são ideais, principalmente para quem vive em bairros mais periféricos. Por outro lado, os maiores índices de uso de automóveis estão concentrados nos bairros mais centrais. Ou seja, quem vive em áreas com melhor infraestrutura, melhores calçadas, mais ciclovias, porque pode pagar por isso, também é quem mais usa automóveis.
Não dá pra simplesmente “jogar” sobre os indivíduos a responsabilidade por essas decisões de deslocamento. Quanto menos o poder público investe em corredores e terminais de ônibus, ciclovias, calçadas e travessias, menos atrativo os modos de deslocamento mais sustentáveis se tornam. Assim, estimula-se um movimento que empurra” aquelas pessoas que podem pagar para os deslocamentos por carros, motos, táxis e serviços individuais de transporte.
Além disso, há outra consequência cruel: enquanto o custo de utilizar transporte público só sobe, quem não tem dinheiro para “fugir” para o transporte individual se vê forçada ou forçado a caminhar ou pedalar trechos mais longos (mesmo sem contar com segurança e qualidade da infraestrutura). Ou, pior, deixam de se deslocar. A pesquisa de 2019 da Rede Nossa São Paulo evidenciou que 50% das pessoas entrevistadas haviam deixado de visitar parentes e 40% de buscar serviços de saúde porque não tinham como pagar o ônibus, metrô ou trem.
É por isso que não podemos seguir aceitando que candidatas e candidatos à prefeitura só proponham “tapar buracos” no asfalto quando diz respeito à mobilidade urbana. É preciso lembrá-los que a maioria da população paulistana sequer usa carro e aguarda com urgência soluções para reduzir os tempos de deslocamento por transporte público, que tomam tempo de vida das pessoas. Não podemos seguir naturalizando que a população mais pobre da cidade esteja fadada a perder mais de 3 horas diárias no transporte público – um tempo que poderia estar sendo usado para descansar, estar com a família, estudar ou mesmo cuidar de si.
Da mesma forma, está na hora de lembrar a quem se candidata a assumir a Prefeitura que o poder público tem o dever de proteger a vida das pessoas. E em São Paulo, todos os dias pelo menos 2 pessoas perdem a vida no trânsito e mais 10 morrem por doenças respiratórias decorrentes da poluição ambiental. Considerando essa tragédia diária, não faz sentido que a Prefeitura siga torrando dinheiro público com políticas que estimulem o uso de carros e a velocidade desenfreada nas ruas.
E você, como vai escolher seu voto? Que tal cobrar as candidaturas de priorizarem a maioria, em vez de seguir privilegiando a minoria poluente?
Se você tem interesse em somar nessa pressão, fica aqui o convite para conhecer a campanha “Mobilidade Sustentável em São Paulo”. No site estão disponíveis as cartas-compromissos com a mobilidade sustentável, que podem ser enviadas para candidaturas aos poderes Executivo e Legislativo de São Paulo. Vamos pressionar! Somos maioria e merecemos prioridade!
*Ana Carolina Nunes é associada à Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo e é representante da mobilidade a pé no Conselho Municipal de Trânsito e Transportes.